ENTREVISTA CI: PA — EDSON BUENO DE CAMARGO
I) Andar
à luz do sol
1. Edson
Bueno de Camargo é pseudônimo?
Como quase
tudo em minha vida, o fazer literário sempre foi muito aleatório, e só atentei
para a necessidade de um nome artístico quando já havia feito um monte de coisas
usando meu próprio nome.
Edson Bueno
de Camargo não é um pseudônimo, assim como a pessoa e o poeta vivem se
confundindo em suas identidades.
2. Há alguma
diferença entre você, pessoa física, e o autor de seus livros, pessoa fictícia?
Às vezes penso
que o sujeito que escreve não é o mesmo ser vivente do dia a dia, em outros
momentos os dois se confundem.
Há diferenças
terríveis entre as duas pessoas, e, no entanto, os caminhos das duas se cruzam
o tempo todo.
II)
Apontamentos de história sobrenatural
3. Voltemos
ao seu passado – onde você nasceu, como foi a sua infância, importância dos
pais na sua visão literária.
Nasci na
cidade de Santo André, no Grande ABC, subúrbio da cidade de São Paulo, mas fui
engendrado e gestado em Mauá, uma cidade vizinha. O meu ato de nascimento em
Santo André deu-se por um acidente clínico, não havia maternidade na minha cidade,
tive de nascer na vizinha.
Meu pai
nasceu na roça, migrante mineiro, veio jovem para a cidade para ser peão de
fábrica, semianalfabeto por muito tempo, incentivava os filhos a se educarem,
dava muita importância a isto. Penso que nunca entendeu o que é o meu fazer
poético, mas tem o maior orgulho de ter um filho escritor, seja lá o que for
isto.
Minha mãe
também veio do interior, fez até a quarta série, mas tinha o hábito da leitura
que adquiriu com os pais, praticamente me alfabetizou antes da escola.
Creio que a
necessidade de ler como se fosse respiração veio de minha mãe, uma leitura
absolutamente eclética e empírica, o poeta surgiu por acumulação das leituras
de infância.
III)
Nosso testamento em cada poema
4. Que poema
ou livro lhe arrebatou tanto para que se tornasse poeta? Quais são os seus
autores modelo no mundo da literatura?
Havia no
passado uma coleção que se vendia de porta em porta, uns micro-livros, onde
eram publicados os poetas românticos brasileiros; meu tio tinha esta coleção
para enfeitar a sala dele, mas li todos os livros da coleção, Castro Alves, Casimiro
de Abreu, e tantos outros; além disso, minha avó materna tinha o hábito de
declamar poesia de Olavo Bilac e Rui Barbosa, isso me despertou a curiosidade
com a palavra poesia, e passei a ler tudo que se relacionava.
Um dia peguei
um livro ao acaso na prateleira de uma livraria e papelaria que existia em
Santo André, Papelaria Glória, que não existe mais, e abri uma página aleatoriamente
e li um poema, o livro era de Ferreira Gullar, e o poema “Maio de 1964”,
“Na leiteira a tarde se reparte
em iogurtes, coalhadas, copos
de leite
e no espelho meu rosto.
São quatro horas da tarde,
em maio.”
lembro como
se fosse hoje, tomei um choque, li um poema atrás do outro e, infelizmente, só
depois de algum tempo consegui comprar este livro, naquela época não existia o Google
para nos salvar nestas horas, e poesia em bibliotecas sempre foi escassa, mas
foi uma epifania saber que se podia fazer poesia além da rima e da métrica, e
além daquela chatice sem fim dos parnasianos. Eu tinha quatorze anos e descobri
que havia um mundo todo a ser descoberto, a partir daí procurei novas leituras,
e tive a felicidade de ser acolhido neste primeiro momento pela poesia de
Cecília Meireles, Mário Quintana e Vinícius de Morais, comecei a poesia pela
homeopatia antes de chegar a quimioterapia de um Piva, que adoro, mas é de necessário
fôlego.
Acho que li
de um tudo e falar de influências sempre será incompleto, mas posso afirmar que
minha última fase tenho muito a agradecer ao Cláudio Willer, um pela poesia, e
outro pela orientação, através dele cheguei a Herberto Helder, cuja leitura tem
sido fundamental para mim.
Além do fato
que, por muito tempo, fiquei isolado de qualquer grupo de estudos mais avançado
ou dirigido, muitas das minhas leituras são tardias, não é raro conhecer algum
autor brasileiro ou estrangeiro e me maravilhar diante de coisas que outras
pessoas estão mais do que enfadadas, e isso ainda acontece o tempo todo, e para
mim isto é muitas vezes uma experiência muito gratificante.
5. Diga como
foi sua primeira experiência de criação poética.
Acredito que,
como todo adolescente, comecei escrevendo grandes extravasamentos do eu,
comiserações pessoais, e pastiche dos autores que eu considerava muito
importantes, nada que se pudesse aproveitar muito. Como diz a Alice Ruiz, quase
todos escrevem quando são adolescentes, alguns ficam adultos e param, outros
nunca passam da puberdade e continuam a escrever por toda a vida.
Depois de
absoluto fracasso com a métrica e a rima, optei pelos versos brancos e livres
por parecerem mais fáceis de lidar. Sempre fui dono de uma boa retórica, e
muito cedo, não necessariamente com sucesso, já tentava fazer alguma coisa
diferente do lugar-comum.
Havia em meus
primeiros versos uma grande preocupação social, uma necessidade de dizer
diretamente as mazelas do povo etc., etc., época em que li muito Cardenal e
Neruda, e comecei a voltar meus olhos e ouvidos para a cultura da América
Latina.
IV)
Gaveta de guardados
6. Indo
alguns passos atrás no tempo, você já participou de outro grupo ou teve alguns
amigos, com os quais trocava experiências poéticas?
Sim.
7. Se a
resposta for sim: como se conheceram? Houve influência mútua? De que maneira
ela alterou sua maneira de ver e fazer literatura?
Minha
primeira experiência com um grupo, ainda na primeira juventude, foi um grupo de
escritores de minha cidade, que se reuniam com o pomposo nome de Colégio
Brasileiro de Poetas; foi uma vivência muito curta, pois entrei no grupo perto
de seu fim. Depois disso, vivi um período de isolamento e muito pouca
produtividade.
Só fui
novamente entrar em contato com um grupo de escritores muitos anos mais tarde,
já nos anos 2000, também em minha cidade, com um projeto para lá de ousado do
poeta Guilherme Vidotto Filho, que criou a Oficina Aberta da Palavra, onde os
poetas, escritores e artistas reunidos pretendiam desvelar a “alma oculta da
cidade”, foi um período de grandes descobrimentos, e de muita coisa escrita; em
2007, este laboratório gerou um livro, do qual eu gosto muito, “De Lembranças e Fórmulas Mágicas”.
Em paralelo,
passei a frequentar em Santo André a Casa da Palavra, onde entrei em contato
através de oficinas da Escola Livre de Literatura com o poeta Cláudio Willer, e
isso foi um divisor de águas para eu compreender exatamente o que eu queria com
a poesia, ou o que a poesia queria comigo, foi um despertar místico literário.
V) Os
pelos de uma lagarta
8. Como
virou típico perguntarmos isso aos entrevistados, a fim de que vislumbrássemos
uma rede de contatos e possíveis coincidências, você tem algum contato com
nossos entrevistados anteriores (Pipol, Claudio Willer, Márcio Simões, Marco
Aqueiva, Chiu Yi Chih, Celso de Alencar, Natália Barros e Antonio Ventura)?
Como se deu tal contato? E nos revele como se dá a relação entre os poetas nos
dias de hoje.
O Cláudio
Willer, como já disse anteriormente, pelas oficinas literárias em Santo André,
depois fomos nos encontrando em outras atividades, principalmente lançamentos
de livros, leituras públicas de poesia e muitas conversas por e-mails; os
outros autores da lista quase nas mesmas condições, podemos dizer que o Willer
foi meu elo de ligação com muitos outros autores, muitos também pupilos dele. Com
Celso de Alencar, acredito que a primeira vez que nos vimos pessoalmente foi
através das Quintas Poéticas, e também muitas pessoas me foram apresentadas pelo
poeta e amigo José Geraldo Neres.
Além de
intenso contato virtual, e-mails, blogs, mídias sociais, a Internet tem sido um
grande gerador de novas amizades e influências várias. Dado que nunca se pode
descartar o livro como o principal conduto da poesia, o mundo virtual tem se
revelado uma ótima ferramenta para contatos que de outro modo seriam muito
custosos e complicados, através da rede temos saltado continentes e oceanos.
VI)
O Linho e a Linha
9. Você está
para lançar algum livro. Se sim, fale um pouco dele e, depois, revele se há
alguma outra atividade que você cultiva que a gente não sabia e adoraria
descobrir.
Está para
sair pela Editora Patuá um livro de poesias, “a fome insaciável dos olhos”, com poesias escritas entre 2011 e
2012, poemas ainda com as relações místicas e do contato do sagrado com a
palavra, um estilo profético de revelações de coisa nenhuma.
Estou
preparando também um eBook, cujo lançamento será adiado por um certo
tempo em virtude do compromisso com a editora, que sensatamente me pediu para
não lançá-lo em concomitância com o outro. Seria inconveniente e anti-producente.
O livro pela
Patuá sairá em meados de abril, e o eBook, lá pelo final do ano, ou pelo menos seis
meses depois do lançamento do primeiro.
Além da
literatura, tenho um pé nas artes plásticas, sou artepostalista e fotógrafo;
tenho participado de algumas convocatórias e exposições de arte-postal em
vários países e usado os multimeios para expor minhas fotografias.
10. Quais
revistas literárias você acompanha ultimamente, seja da Internet ou impressas?
Teria algumas sugestões para nós? Vê diferenças entre elas e as mais antigas?
Basicamente,
sou um leitor virtual, gosto muito de ler a Zunái, Germina, Celuzlose,
Laboratório de Poéticas, mallarmargens, Verbo 21, Cronópios, Confraria do
Vento, a paranaense Macondo Literário, entre muitas e tantas, mas confesso que
sou muito pouco afeito a ler teoria literária e me interesso mais pelos poetas
e suas poesias.
Gosto muito
da linguagem gráfica do fanzine, embora os que eu costumo ler são apenas os
regionais e alguns que me chegam às mãos. Estou colecionando as plaquetes que
são publicadas pelo CCSP e tenho gostado muito do que tem sido produzido e
lido.
11. Como
você vê a relação entre Universidade e poesia? Como anda a crítica literária
dos portões acadêmicos para dentro? E para fora, algum sinal de vida?
Esta é uma
pergunta complicada para responder, uma vez que não acompanho muito de perto
esta relação; o que tenho ouvido em conferências e conversas é que há um gap entre o que
está sendo produzido e o alcance do que está sendo estudado.
Sei que na
grande mídia muito pouco se lê de novo, e muitas vezes cria-se a percepção que
não existe de fato uma crítica, mas uma relação comercial entre as grandes
editoras e os cadernos de leitura. Autores e cenas alternativas estão
totalmente de fora.
Em
compensação, sinto que há, e realmente há, uma grande efervescência de ideias e
conceitos em órgãos alternativos, em especial na Internet, muitos blogs, embora
em um emaranhado de informações, mas com muita fluência, e também em discussões
muito férteis nas mídias sociais.
VII)
No alto-mar das futuras combinações
12. Poesia
existe fora da página em branco? O quanto ela influenciou o seu cotidiano, seu
olhar diante do mundo ao redor?
Acredito
piamente nisto, o papel é a última etapa da poesia, que primeiramente tem de
ser vivenciada, apanhada com os olhos, experimentada em todos os paladares.
Tenho
ministrado oficinas de criação literária em que o detalhe menos importante é a
escrita propriamente dita, que deve ser consequência da experimentação e do acúmulo
de leituras, mas com o viés da sensibilização para o poético do cotidiano, das
coisas quase imperceptíveis que podem nos conduzir ao estado poético.
13. Como o
poema nasce em você? Conte como é seu processo criativo.
Muitas vezes,
para mim, o poema nasce de um insight, uma frase solta que me chega aos ouvidos,
um primeiro verso que me causa um profundo estranhamento.
Este material
é anotado em pequenos cadernos, papéis soltos que carrego nos bolsos, e
ultimamente frases escritas no Facebook e Twitter; uma segunda etapa é resgatar estes escritos soltos e compilá-los, o
processo de digitação serve como primeira depuração de muitas outras, aparar
excessos, repetições, separar novos poemas que teimam em surgir no processo.
E, por último,
uma boa correção ortográfica e gramatical, que só se completa com a primeira
leitura por outras pessoas, em especial minha companheira, que tem sido minha
primeira vítima.
14. Acha que
o poema é um reflexo de sua personalidade? Você pensa como seus poemas?
Creio que
seja, e não seja. Octávio Paz, em um ensaio muito interessante, lança a
possibilidade de existir um outro dentro de nós que escreve o poema, então
clinicamente com os remédios certos curar-se-ia a mania de ser poeta, mas isto
não tem funcionado ao longo da História.
Há poemas e
poemas, costumo dizer que a poesia é a minha maneira de lidar com o campo do
sagrado, uma viagem xamânica; creio que seja impossível pensar como o poema; o
poema é um lugar onde o eu se dilui completamente.
15. Quem é
maior, você ou seu poema? Quem cresceu ao longo do tempo?
O poema, sem
dúvida nenhuma; minha pessoa é um completo fracassado, venho de uma coleção de
fracassos consideráveis, a pessoa Edson Bueno de Camargo é um absoluto ninguém,
sem nada importante a contribuir para o progresso da humanidade, talvez, muito
talvez o poeta algum dia seja considerado, se não for completamente esquecido.
Minha poesia
tem se desenvolvido de forma muito interessante, tem criado autonomia, tem
viajado a lugares onde nunca estarei, lida por muitas pessoas que não faço
ideia quem são, tem me chegado de forma indireta como rumores, como se nunca
tivesse tido alguma relação comigo.
O poema
consegue ser sem mim, não sei se posso afirmar o contrário.
16. Já se lembrou
de algum verso num momento inusitado? E já se surpreendeu com algum poema seu,
fosse uma nova descoberta feita ou uma curiosa profecia?
Acontece o
tempo todo, principalmente em trajetos longos de trem ou ônibus.
Tenho um
poema absolutamente inédito, que me causou uma estranha impressão, onde
descrevo um acidente aéreo, com fogo, chuva, e pessoas morrendo queimadas, que
escrevi uma semana antes do acidente do voo TAM 3054 em Congonhas; não sei se há
alguma relação, mas me soou profético.
17. O que te
faz gostar de um poema? Como sabemos quando um poema é bom e quando é ruim?
O inusitado
me atrai muito em um poema. O fora do senso comum, o que me causa estranhamento
e principalmente o que me toca, aquele que por alguma razão repercute meu eu, com
o poema que eu ainda não escrevi, aquele que me causa inveja, o poema que leio
e digo que queria ter escrito, ou poderia ter muito bem escrito, porque
conversou com meu íntimo. Ressoou com as minhas vibrações.
Para mim, um
poema é bom quando se percebe uma preocupação do autor em construir algo novo,
mesmo dentro da intertextualidade, algo autoral, na qual se perceba cuidado,
trabalho e pesquisa. Embora estranhamente concluir que um poema é bom, não é
necessariamente se aproximar dele de forma afetiva, gostar dele. Conheço bons
poetas, pessoas que considero muito, que fazem uma ótima poesia, mas que por
algum motivo não conhecido, não ressoam, não me atraem.
Faço uma ressalva
que considero importante: existem poetas que são muito eficazes em emular uma
boa poesia, se apoderar de uma fórmula mas que não conseguem escapar de uma
análise crítica, ou mais, sempre causam a impressão de déjà-vu, de que
já lemos aquilo antes em algum lugar.
18. Diga
qual autor você sempre tem vontade de reler e aquele que só quer se esquecer de
um dia ter lido.
Autores como
Mário Quintana e Herberto Helder, estou a reler o tempo todo, e do que não
gostei não precisei fazer nenhum esforço para esquecer.
19. Revele
para nós um verso seu que você adora e outro, mera tentativa, que não saiu lá
essas coisas...
Do
poema “de um fragmento”, no meu livro “cabalísticos”,
gostei muito de ter escrito isto:
“que ser homem é carregar a aspiração
de sempre retornar a úteros escuros
descer as mais profundas fendas e cavernas
e que morrer é se vestir de terra
para que uma mãe telúrica venha nos afagar os
cabelos”
Foram
muitos os versos fracassados, mas não consigo rejeitar nada do que escrevi, não
acredito muito em revisionismos. Talvez algum verso que tente ser muito
explicativo, em geral, fica inédito como esse:
“na hecatombe diária
não se espera
mas acontece
de nascer o Sol
que mal trespassa a grossa cortina
o algodão baço de fumo
fazer o café para fazer a manhã”
20. A sua
poesia transmite uma simplicidade, talvez por causa da forma narrativa que a
permeia, sem deixar de se mesclar a certas ousadias, numa hora, com recortes
cinematográficos e experimentações estéticas, noutros momentos, repassada pela
ironia pessimista de um Drummond. Qual a fórmula mágica dessa liga entre,
digamos, Maiakóvski e Mario Quintana?
Um bom amigo,
o poeta Jorge de Barros, brincando com minhas influências orientais, mormente a
cultura japonesa, afirmou que meus poemas eram “a cerimônia do chá com
pãezinhos de queijo servidos”; gostei muito desta definição, embora isto não
aconteça necessariamente de propósito. Gosto de enxergar o maravilhoso e o
inusitado inseridos cuidadosamente nas coisas cotidianas, gosto dos deuses
vegetais, e de imaginar que um dia tudo o que fazemos como coisa corriqueira já
foi um ato sagrado.
Gosto de
lembrar Santa Teresa D’Ávila, uma poeta extática, antes de ser santa da igreja,
que afirmava que “um dia as panelas
da cozinha serão tão sagradas quanto os paramentos do altar”.
Creio que, por
outro lado, a ironia venha de um pessimismo atávico com as coisas do mundo, de
uma desilusão com o socialismo romântico e, ao mesmo tempo, não conseguir
deixar de acreditar na utopia, permanecendo sempre em uma dicotomia.
21. Em que
direção sua história poética aponta hoje? Preparando algum novo livro? Teria um
poema inédito para os leitores mais curiosos?
Tenho
caminhado para uma tentativa de refinamento, de síntese pela ideia e não pela
estética, tenho voltado a escrever haicais, tenho fotografado insetos e pequenas
flores, e depois escrito em cima desta temática, em uma tentativa de unir a
palavra e a imagem, nem sempre com sucesso.
Um livro para
sair pela Patuá, um eBook com poemas experimentais relativamente
antigos, uma ideia fermentando de produzir um livro de artista, onde combine
experimentações com texto e manipulação eletrônica de fotos.
Não planejo
muito meus novos passos, gosto de deixar para a aleatoriedade, que é uma forma
bonita de dizer que quase sempre estou completamente perdido.
Tenho
bastante coisa inédita, mas reproduzo aqui os últimos poemas que escrevi, aliás
dois haicais escritos em cima de fotografias:
“flores novas
a pitangueira trapaceia
o fim do verão”
“nespereira
flores brancas anunciam
o outono”
22. Você
acha os poetas uns chatos? Eles querem ser difíceis demais? Como vê o meio
literário atualmente?
Muito
comprometedora esta pergunta, fico tentando imaginar o que pensam de mim.
Poesia é um assunto que me encanta e me faz esquecer quase tudo, sou capaz de
ficar por horas falando sobre este assunto, então, de fora, para quem não tem o
mesmo encantamento, deve ser chato para caramba.
Toda a
produção artística é muito narcisista, conheço muitas pessoas com um ego enorme
e muito pouco talento, mas conheço os que são egoicos e são donos de uma boa
produção, tendo a me irritar com os primeiros, mas nunca fecho a caixa de
diálogo, pois todos sempre têm algo para nos ensinar.
Irrita-me o
pedantismo de algumas pessoas do meio artístico, da falta de conteúdo, de
indisfarçáveis preconceitos pessoais permeando as palavras, de um querer ser,
sem realmente ser, sendo que quase sempre esta arrogância é um bom disfarce
para a falta de competência e talento.
E, por fim,
existem poetas profundamente generosos e profícuos, pessoas com quem aprendemos
o tempo todo e que nos maravilham com suas palavras, verdadeiros mestres.
O meio
literário, via de regra, é um complexo de “panelinhas”, com intrincados
emaranhados, mas que só repetem um modelo antigo, mas quando não foi assim?
Gosto muito
do uso dos multimeios, mídias sociais, onde existe uma democracia anárquica,
quase uma bagunça, mas onde um bom leitor e um ouvinte atento irão perceber que
a arte é pululante, e é muito maior que nós e nossas mesquinharias, sendo muito
cruel, Fernando Pessoa foi o segundo lugar em um concurso de poesia que o
revelou para o mundo: quem se lembra do nome do primeiro lugar?
Existem
coisas que só o tempo histórico é capaz de revelar.
23. Que
poesia é possível hoje? Toda poesia é válida?
Toda a poesia é
possível e necessária; a pós-modernidade abre espaço para todas as
manifestações possíveis da arte, encanta-me o ultramoderno, o experimentalismo,
ao lado do canto sertanejo, da poesia popular, e acredito que uma manifestação
não prescinda da outra.
Não consigo ver uma cultura
como algo binário, o novo não nega o velho, se completa, se confunde, se amalgama.
Não posso falar pelo
mundo, mas, para mim, a poesia não só é possível e válida, ela é imprescindível
e necessária.
Março
de 2013
Mãos à obra-prima!